O uso terapêutico do canabidiol

O canabidiol é uma substância que não provoca alucinações (não psicotrópica), utilizada mundialmente para o tratamento de diversas doenças, incluindo doenças neurológicas e psiquiátricas. No Brasil, entretanto, o uso medicinal do canabidiol é muito restrito, levando a dúvida: como é realizada sua regulamentação no país e quais são suas perspectivas de aplicação?

Folhas de Cannabis sativa2

Canabidiol: O que é?

O canabidiol faz parte de um grupo de mais de 100 moléculas denominadas fitocanabinoides, que recebem esta denominação por serem extraídas da planta Cannabis sativa (o prefixo “fito” significa planta). O interessante é que nosso próprio corpo produz substâncias com estruturas similares aos fitocanabinoides, conhecidas como endocanabinoides. No organismo, tanto os fitocanabinoides quanto os endocanabinoides exercem atividade biológica através do sistema endocanabinoide, importante regulador do equilíbrio cerebral.

Fórmula estrutural do canabidiol4
Voltando ao canabidiol, uma das principais vantagens de sua utilização terapêutica é o fato de não provocar nenhum efeito alucinógeno, ao contrário de outras substâncias extraídas da Cannabis, como o tetra-hidrocanabinol (THC). Por isto, o canabidiol é considerado bastante promissor, inclusive para a administração em crianças com doenças graves, como algumas síndromes genéticas. Ele apresenta fórmula molecular C21H30O2, é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica e alcançar o sistema nervoso central3. Uma vez presente no organismo, ele pode interagir com muitos receptores celulares, desencadeando respostas anti-inflamatórias, antioxidantes e analgésicas1, além de ser considerado imunossupressor3.

Tratamentos autorizados no Brasil

Até o ano de 2015, o canabidiol fazia parte do grupo de substâncias prescritas pela Anvisa, ou seja, sua utilização era proibida, ainda que a finalidade fosse terapêutica. Para ter acesso ao canabidiol, era necessário enfrentar disputas judiciais que envolviam bastante burocracia5. Na época, foi lançada a campanha “Repense – pela regulamentação da Cannabis medicinal”, divulgando a situação vivenciada por pacientes e seus familiares em documentários curta-metragem6. Se você se interessou pelo assunto, clique aqui para assistir aos documentários!
Imagem do documentário Ilegal
A partir de 2015, foi autorizada a prescrição médica e importação do canabidiol para a utilização por pacientes com formas graves de epilepsia, refratárias aos tratamentos convencionais. Em 2017, a Anvisa registrou o composto Mevatyl, que contém canabidiol em sua formulação, permitindo seu uso em território nacional para tratar espasmos musculares em pacientes com esclerose múltipla5. Atualmente, a campanha busca a aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 514, que autorizaria o cultivo da Cannabis para fins terapêuticos7. A regulamentação dos produtos derivados da Cannabis sativa é detalhada na RDC nº 327 de 2019, que estabelece os requisitos para a comercialização, prescrição, dispensação e monitoramento desses produtos8. Em 2021, a Anvisa autorizou 2 novos produtos contendo canabidiol, o que facilita sua importação e comercialização no país9.

Perspectivas

A literatura científica relata evidências do potencial terapêutico do canabidiol em várias desordens neurológicas e psiquiátricas, como psicose, esquizofrenia, ansiedade e doenças neurodegenerativas, como esclerose múltipla e doença de Huntington10. Entretanto, a maior parte dessas evidências é proveniente de estudo pré-clínicos (em modelos animais) e os muitos ensaios clínicos em andamento, em geral, envolvem grupos reduzidos de pacientes e apresentam grande variabilidade entre seus protocolos11. Essa variabilidade torna difícil avaliar a efetividade do canabidiol como forma de tratamento para essas doenças. Por isto, ainda é necessário investigar detalhadamente as propriedades terapêuticas e os efeitos adversos do canabidiol, a curto e a longo prazo, considerando as diferenças biológicas entre as pessoas e formas de administração10.  

Referências

1 https://doi.org/10.3390/antiox9010021

2 https://www.fcepharma.com.br/imprensa/releases/anvisa-libera-venda-de-produtos-a-base-de-cannabis-em-farmacias

3 https://dx.doi.org/10.1089%2Fcan.2018.0073

4 https://doi.org/10.1016/j.bmc.2015.01.059

5 http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v7i2.76339

6 http://campanharepense.com.br/

7 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132047

8 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-da-diretoria-colegiada-rdc-n-327-de-9-de-dezembro-de-2019-232669072

9 https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-registra-dois-novos-produtos-a-base-de-cannabis

10 http://dx.crossref.org/10.17226/24625

11 https://dx.doi.org/10.3389%2Ffphar.2020.00063

Texto escrito por:​

Esther Marques Alves Maciel

Esther é biomédica e mestranda do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia da UFMG. Ela estuda os efeitos modulatórios do canabidiol sobre a reatividade astrocitária