Zika vírus: História, pesquisas e perspectivas futuras

Origem

Entre novembro de 2015 a outubro de 2019, o Ministério da Saúde do Brasil confirmou 3474 casos de crianças que nasceram com microcefalia e outros distúrbios no cérebro relacionados à epidemia do vírus da Zika (ref 1). Essa situação levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar uma emergência de saúde pública de interesse internacional (ref 2). 

    Apesar de ter ganhado relevância e destaque na mídia nesse período, o vírus foi identificado pela primeira vez na floresta de Zika em Uganda em 1947 e relatado como causador de infecções em humanos em 1952. Entre 2007 e 2013 ocorreram os primeiros surtos de infecções registrados em ilhas localizadas no Oceano Pacífico, e logo o vírus foi identificado na América do Sul (ref 4).

Transmissão

O vírus da Zika é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. Entretanto, durante a epidemia, foi descoberto que no indivíduo infectado o vírus também pode estar presente no líquido seminal (esperma), possibilitando a transmissão sexual. Quando o vírus infecta uma mulher grávida, ele é capaz de atravessar a placenta e atingir o cérebro do feto (ref 6).

Portanto, é importante pensar em medidas para prevenir a infecção. A OMS disponibiliza cartilhas detalhadas com estratégias (ref 7 e 8), sendo muitas delas utilizadas na resposta do SUS à epidemia (ref 9). A nível pessoal, o uso de repelentes e métodos contraceptivos de barreira, como a camisinha masculina, são cuidados importantes a serem tomados por grupos prioritários tais quais gestantes.

Manifestação

Em humanos adultos, a infecção mais frequentemente gera sintomas inespecíficos e autolimitados, sendo os mais comuns febre, calafrios, irritação na pele, e dores de cabeça, articulares e musculares (ref 15). Em casos raros, a infecção pelo vírus pode levar à síndrome de Guillain-Barré, uma complicação que acomete o Sistema Nervoso Periférico e pode evoluir para complicações como perda da capacidade de andar, deglutir e respirar sem assistência (ref 14).

A microcefalia em crianças recém-nascidas foi a primeira e principal anomalia grave observada após a infecção materna pelo vírus da Zika durante a epidemia no Brasil (ref 10). No entanto, além da redução do volume do cérebro, foi constatado que infecções pelo vírus da Zika durante o desenvolvimento do sistema nervoso central de fetos podem gerar outras complicações ao cérebro, conhecidas como síndrome congênita do Zika vírus (ref 12). Além disso, diversos artigos científicos também reportaram que a infecção pode levar a prejuízos motores e cognitivos em camundongos (ref 13)

Modelos experimentais

A rapidez na obtenção de respostas é fundamental para prevenir e tratar novas doenças que acometem a sociedade. Diante dessa situação, muitos dos grupos de pesquisa optam por utilizar modelos animais objetivando prever características clínicas e entender os processos patológicos, bem como testar possíveis medicamentos. Além disso, os modelos animais são importantes visto que muitas intervenções não são permitidas em humanos por questões éticas.

 

Limitações do estudo em humanos:

  • As condições de exposição e acompanhamento não são controladas
  • Demora para o indivíduo atingir a maturidade cognitiva e comportamental (anos)
  • Baixa quantidade de participantes (nº casos na mesma região, autorização dos pais)
  • Custo elevado (ex: visita aos pacientes, exames)
  • Inapropriado fazer procedimentos invasivos   

 

Pesquisa desenvolvida no laboratório

O Laboratório de Neurobioquímica desenvolve pesquisas no intuito de avaliar quais serão as complicações cognitivas e celulares geradas pela transmissão sexual do vírus da Zika durante a gravidez. Nosso grupo de pesquisa publicou um artigo científico onde apresenta um modelo de infecção intravaginal em camundongos fêmeas grávidas (ref). Através desse modelo, vimos que a infecção pelo vírus da Zika provocou inflamação no cérebro dos fetos. Sabemos que o processo inflamatório no sistema nervoso contribui para a patologia de diversas doenças que acometem o cérebro, como é o caso da doença de Alzheimer (ref).

 Como as crianças infectadas nascidas durante a epidemia possuem entre 4 a 6 anos em 2021, é necessário utilizar modelos de infecções em animais para avaliar os déficits cognitivos que poderão se apresentar no indivíduo adulto. Portanto, o trabalho que está em desenvolvimento pelo nosso grupo de pesquisa busca avaliar se o modelo de infecção desenvolvido promove danos à região do hipocampo, relacionada ao processo de memória e aprendizado, nos camundongos adultos. Interessantemente, os nossos resultados indicam que as fêmeas expostas ao Zika vírus durante o período embrionário apresentaram alterações celulares e moleculares mais acentuadas, o que foi refletido em um déficit de memória. Esses resultados poderão ajudar a direcionar as avaliações clínicas nas crianças expostas ao Zika vírus durante o período embrionário, mas que não desenvolveram microcefalia. Tais análises serão importantes para verificar se realmente as alterações relacionadas à infecção pelo Zika vírus tem influência de gênero.

Perspectivas

Até o momento não existem medicamentos específicos ou vacinas disponíveis para tratar ou prevenir infecções pelo vírus da Zika, sendo que apenas medicamentos para aliviar os sintomas podem ser considerados (ref 16).    

 

Requisitos para um medicamento ideal contra o vírus da Zika:

  • Eliminar completamente o vírus da Zika circulante na corrente sanguínea avaliado por teste específico de PCR;
  • Prevenir o comprometimento neurológico do feto;
  • Ser permeável à barreira da placenta e à barreira hematoencefálica;
  • Ser seguro para ser tomado profilaticamente durante a gravidez;
  • Não apresentar genotoxicidade ou teratogenicidade.

 

Embora o número de infecções pelo  vírus da Zika tenha diminuído após o fim da epidemia de 2015/2016, faz-se importante o acompanhamento dos indivíduos expostos ao Zika vírus durante o período embrionário, antecipando complicações e buscando o desenvolvimento de intervenções para minorar os déficits deflagrados, propiciando melhor qualidade de vida a esses indivíduos e seus familiares.

Chamada

O aluno Thiago Araújo Andrade desenvolveu o projeto sob a orientação da professora Fabíola M. Ribeiro. A apresentação de sua dissertação de mestrado contendo os dados obtidos por nosso laboratório ocorrerá no dia 03/09/2021 de forma virtual. 

    O título é: Comprometimento hipocampal em animais adultos imunocompetentes expostos à infecção materna pelo vírus da Zika no período embrionário.

    Convidamos você a assistir e entender mais sobre nossa pesquisa.

    Entre em contato pelo e-mail extensaolabneuroufmg@gmail.com para obter acesso ao link.

 

 

Referências

[1] https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/dezembro/05/be-sindrome-congenita-vfinal.pdf

 

[2] https://www.who.int/news/item/01-02-2016-who-statement-on-the-first-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-(ihr-2005)-emergency-committee-on-zika-virus-and-observed-increase-in-neurological-disorders-and-neonatal-malformations

 

[3] https://www.who.int/news-room/feature-stories/detail/the-history-of-zika-virus

 

[4] https://doi.org/10.1016/j.cell.2016.05.008

 

[5] ttps://www.medbox.org/document/vector-control-operations-framework-for-zika-virus#GO

 

[6] https://doi.org/10.1590/S1679-4974202100017.esp1

 

[7] https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/virus_zika_brasil_resposta_sus.pdf

 

[8] http://dx.doi.org/10.3201/eid2207.160375

 

[9] http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00562-6

 

[10] https://doi.org/10.1016/s1473-3099(17)30727-2

 

[11] https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.02.072

 

[12] https://doi.org/10.1097/DBP.0000000000000665

 

[13] https://doi.org/10.3390/v11060558 

 

[14] https://doi.org/10.1038/nrn3880

 

[15] https://doi.org/10.1021/acs.jmedchem.9b00775

 

Texto escrito por:​

Thiago Araújo Andrade

Bioquímico pela Universidade Federal de São João del Rei
Mestrando em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais

Ana Clara Terra​

Graduanda em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais