Decisão de asfaltamento da rodovia MG-010, acompanhada da introdução de espécies exóticas e a prática de incêndios criminosos, ameaça o sofisticado ecossistema da reserva da serra do Espinhaço
Por Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa e Geraldo Wilson Fernandes
Os campos rupestres da serra do Cipó, próxima a Belo Horizonte, em Minas Gerais, abrigam uma das maiores bio-diversidades do planeta, com milhares de espé-cies raras e endêmicas, tanto vegetais como ani-mais. Estima-se que nessa região, compreendida na parte sul da cordilheira do Espinhaço e Reser-va da Biosfera da Serra do Espinhaço, a mais recente no Brasil, criada pela Unesco – existam cerca de 1.700 espécies de plantas em uma área de apenas 200 km². Dessas, um terço talvez só exista ali. Possivelmente é uma região tão diver-sa quanto a famosa vegetação de fynbos sobre os campos quartizíticos da província do Cabo, na África do Sul. A diversidade e originalidade das espécies vege-tais ali encontradas encantaram viajantes e natu-ralistas, de Auguste de Saint-Hilaire a Peter Lund. O paisagista Burle Marx chegou a chamar a região de Jardim do Brasil, tamanha a quantida-de de plantas que encontrava e usava em seus exu-berantes jardins. A paisagem rústica composta por uma combinação perfeita de plantas exube-rantes e forjada durante milhares de anos de evo-lução em um ambiente limitante é uma fonte ins-piradora singular para todos os que passam por ali. O potencial paisagístico e ornamental de mui-tas dessas espécies é indiscutível. Muitas, com arquitetura sem igual, guardam segredos como medicamentos, resinas e fragrâncias ainda desconhecidas. Vellozia nanuzae, por exemplo, uma espécie restrita à serra do Cipó, pode ser a base para produção de medicamentos de combate ao câncer. É apenas uma entre muitas outras. Mas infelizmente essa diversidade está desaparecendo rapidamente, apesar dos repetidos apelos por par-te de cientistas que ali buscam respostas para os segredos da origem e manutenção da biodiversi-dade, ou mesmo das intrincadas interações do mundo natural. O turismo desordenado e o fogo estão entre os maiores vilões desta história.Como se não bastasse, uma das ameaças mais preocupantes é o asfaltamento de uma rodovia refe-rida como “ecológica”. O trecho da MG-010, que liga Belo Horizonte a Conceição do Mato Dentro, começou a ser asfaltado na década de 70. Na déca-da seguinte, o asfalto já chegava até o vilarejo de Cardeal Mota, hoje Serra do Cipó, a 100 km de Belo Horizonte. Na década de 90, iniciou-se o asfalta-mento de um trecho que atravessa uma importante área de preservação, a APA Morro da Pedreira, em uma área no entorno do Parque Nacional da Serra do Cipó. Àquela época foi feito um intenso debate entre ambientalistas, cientistas, moradores, Ibama, Feam e o Der-MG, no sentido de estabelecer regras para o asfaltamento da estrada, com a preocupação de minimizar os impactos da obra. Pelo fato de o ambiente ser altamente diverso e frágil, foi decidido que não seria permitida a utilização de espécies exó-ticas de plantas para o controle da erosão e forma-ção de taludes. Assim, implementou-se um extenso estudo de algumas espécies potenciais para serem utilizadas na restauração ambiental do entorno da “estrada ecológica”.
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