As consequências da publicação predatória para a sociedade e o meio ambiente são tema de artigo na revista Neotropical Biology and Conservation.
Cássio Cardoso Pereira, Gabriela França Fernandes e Walisson Kenedy Siqueira
Pegando carona no movimento de acesso aberto, surgiram várias editoras predatórias em busca de lucros fáceis. Esses criminosos cibernéticos se aproveitam da cultura de “publish-or-perish” (publicar ou perecer) e não fornecem nenhuma informação sobre seus protocolos de revisão por pares, não se preocupando com os aspectos científicos, bibliográficos ou éticos da publicação, mas com o dinheiro recebido dos autores.
O número de editoras predatórias cresceu exponencialmente nos últimos anos e se espalhou por todas as áreas do conhecimento, inclusive a biologia. É uma prática comum dessas revistas, muitas vezes com uma equipe editorial igualmente falsa, enviar convites eletrônicos a possíveis autores para a publicação de artigos.
Esses convites geralmente são feitos por meio de uma triagem inicial dos e-mails dos autores correspondentes disponíveis na Internet. As mensagens dos supostos editores costumam enfatizar que o trabalho do autor é sólido e, como já passou pelo escrutínio do conselho editorial, requer apenas o pagamento de uma taxa para ser publicado, sem necessidade de revisão por pares adicional.
Também são frequentes os convites para fazer parte do conselho editorial dessas revistas, que visam, em sua maioria, se aproveitar do prestígio dos cientistas. Em vez de editar artigos, esses editores convidados são usados como garotos-propaganda, ou seja, têm seus nomes publicados no site da revista, atraindo assim autores desavisados a enviar seus manuscritos.
Essas revistas geralmente não são incluídas no diretório de revistas de acesso aberto (DOAJ) e não são indexadas nos principais bancos de dados bibliométricos, como Google Scholar, Scielo, Scopus e Web of Science, pelo simples fato de não atenderem aos critérios de inclusão. Seus sites costumam ter poucas informações sobre o conselho editorial, um ISSN (International Standard Serial Number) falso, pouca transparência em relação à transferência de direitos autorais ou de uma política de retratação e fornecem informações de contato muito vagas, muitas vezes omitindo o endereço do periódico.
Além de artigos, há também convites para publicar livros e capítulos de livros com padrão internacional falsos e conselhos editoriais duvidosos. Há também uma enxurrada de convites para reuniões predatórias,
como conferências on-line, simpósios, workshops e palestras. Esses eventos geralmente têm sites igualmente confusos e nunca estão vinculados a uma universidade ou a um programa de pós-graduação.
Acima de tudo, é preciso consultar orientadores, supervisores ou colegas mais experientes sobre o convite e a reputação acadêmica do remetente. De qualquer forma, é preciso prestar atenção não apenas às métricas de citação, mas também, principalmente, ao conselho editorial, ISSN, ISBN, informações de contato e relacionamentos com instituições reconhecidas.
Quando analisamos os impactos da publicação predatória na comunidade científica, os piores problemas são a disseminação de informações errôneas sobre problemas científicos de interesse, a facilitação do
plágio, o desperdício de recursos públicos destinados à publicação e a nomeação de pesquisadores em universidades e institutos de pesquisa com base em currículos repletos de publicações duvidosas, gerando efeitos negativos em cascata que prejudicam o ensino superior como um todo.
O dano causado à sociedade pode ser ainda pior. Governos, grandes empresas e tomadores de decisão podem ser enganados por informações falsas, resultando em atitudes que prejudicam as respostas aos principais problemas humanos, como mudanças climáticas, biodiversidade e pandemias. Os esforços para combater as editoras predatórias exigem colaboração e apoio em níveis mais altos.
Os governos precisam criar agências reguladoras que avaliem cuidadosa e sistematicamente as atividades realizadas pelas revistas científicas. As agências de financiamento científico devem exigir que as taxas de publicação sejam pagas somente a editoras que aderirem a um conjunto de regras éticas e de transparência reconhecidas internacionalmente.
Precisamos discutir nossos valores e incentivos na comunidade acadêmica, para que possamos começar a priorizar a qualidade em vez da quantidade. Isso forneceria um ponto de referência para a pesquisa, ajudaria a elaborar intervenções coerentes e melhoraria as informações e as políticas públicas em favor da sociedade e do meio ambiente. Por isso, levamos essa discussão para a revista internacional “Neotropical Biology and Conservation” em um artigo publicado no início de agosto. Acesse aqui.