Pesquisadores recriam a atmosfera do ano 2100 para entender impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos

As mudanças climáticas podem ser uma das principais causas do desaparecimento de espécies nos próximos anos. O aumento das temperaturas e da concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera chegaram aos maiores níveis já registrados. Com isso, animais e plantas já estão ficando mais vulneráveis e propensos à extinção. E não há mais possibilidade de retornar aos padrões normais do planeta. O que resta é descobrir formas de sobreviver ao “novo normal”.

Para medir o impacto dessas transformações, pesquisadores estão recriando as condições atmosféricas previstas para o ano de 2100, com níveis mais altos de CO2 e temperaturas até 3ºC mais altas do que a que temos atualmente. Nessas estufas, que funcionam como cápsulas do tempo, os cientistas estão cultivando plantas essenciais na alimentação e economia brasileira para responder à questão: como vamos sobreviver no futuro próximo?

Em um estudo inédito publicado em uma das mais prestigiadas revistas de botânica do mundo, Environmental and Experimental Botany, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstraram o impacto do aumento do dióxido de carbono, combinado com altas temperaturas, no desempenho do girassol. O Helianthus annuus (nome científico) é um importante produto da indústria do país, matéria prima para a produção de óleos alimentícios e biodiesel. O cultivo tem aumentado no Cerrado, bioma já castigado pela desertificação e mapeado como um dos locais que mais serão afetados pelo aumento da temperatura e pela crise climática.

Mas além da importância econômica, outro fator torna os girassóis um coringa para analisar a sobrevivência do planeta. É a característica de metabolismo dos girassóis. Essa adaptação relacionada à fotossíntese é similar a 84% de todas as espécies de plantas do planeta (uma categoria chamada de C3). Isso significa que os resultados com girassol indicam o impacto das emissões de carbono para a grande maioria das plantas que temos ao nosso redor, como soja ou feijão.  Os pesquisadores também já utilizaram soja, milho e até lagartas em estudos similares, demonstrando a complexa interação entre as mudanças climáticas e o comportamento adaptativo das plantas.

Cápsulas do tempo

Os girassóis foram inseridos em câmaras de topo aberto, estruturas de acrílico com mais de 2 metros de altura. Nessas câmaras, o gás carbônico é injetado e monitorado, enquanto o ambiente pode ser aquecido para simular as condições de altas temperaturas que já estamos enfrentando atualmente. O sistema é controlado por instrumentos que avaliam os gases e o calor a cada segundo. 

As câmaras de topo aberto funcionam como cápsulas do tempo, simulando as condições atmosféricas do planeta daqui a 77 anos. (Crédito Ilustração: Walisson Kenedy Siqueira)

E o que essas câmaras demonstraram é que no “planeta do futuro”, com temperaturas mais altas e mais carbono na atmosfera, os girassóis conseguiram se adaptar para realizar mais fotossíntese e reduzir os danos causados pelo clima.  Mas, o custo dessa adaptação foi alto. As flores diminuíram de tamanho e passaram a produzir muitas sementes vazias e pólen de pior qualidade. Até a cor das pétalas ficou diferente.

As consequências disso vêm em cadeia. As implicações podem ser desastrosas, já que flores com cores diferentes não são mais atrativas para as mesmas espécies de polinizadores e o pólen, principal fonte de nutrientes para eles, afetaria diretamente centenas de insetos e pássaros. 

Renata Maia e os girassóis nas câmaras de CO2. Luz solar e ambiente controlado para entender o impacto das mudanças climáticas. (Crédito Imagem: Renata Maia)

“Os estudos que simulam as condições ambientais do futuro são fundamentais para desenvolvermos estratégias de preservação que assegurem a segurança alimentar, garantindo a nossa sobrevivência e das demais espécies. É uma visão valiosa de como os ecossistemas vão responder às mudanças climáticas e do que vamos enfrentar caso não tomemos medidas drásticas.”, afirma Renata Maia, doutoranda do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade e autora da pesquisa. 

As implicações do estudo vão muito além do laboratório. Os efeitos do aumento do CO2 e da temperatura no planeta podem resultar em grandes impactos na biodiversidade, na economia e na alimentação mundial, caso não consigamos reverter as emissões de gases no planeta. Compreender a extensão completa desses efeitos é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de mitigação e otimização na produção de alimentos e sustentabilidade agrícola diante das mudanças climáticas. 

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