Por Naíla Barbosa da Costa, Yumi Oki e Geraldo Wilson Fernandes
Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade, Dep. de Biologia Geral, Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais. Quem aponta para uma árvore e diz que ali existe apenas um indivíduo está longe de ter razão. Além de abrigar comunidades de artrópodes e microorganismos em sua região externa, internamente há indivíduos que convivem mutualisticamente com o vegetal, como os inconspícuos, porém fundamentais, fungos endofíticos.
Definidos como “organismos que colonizam tecidos vegetais internos sem causar doenças (danos aparentes) ao seu hospedeiro”, os endofíticos têm despertado interesse dos pesquisadores devido ao seu potencial no controle biológico de pragas e doenças ou mesmo em alternativas de melhoramento da resistência de plantas, sendo dado destaque àquelas de interesse econômico (café, soja, mandioca, cacau, morango…). Isso porque eles protegem a planta hospedeira contra os herbívoros, organismos patogênicos e condições ambientais consideradas adversas ao crescimento, tais como a estiagem e elevadas temperaturas.
Para avaliar a diversidade não aparente desses microorganismos, as folhas são superficialmente esterilizadas usando agentes químicos (como álcool 70% e hipoclorito de sódio a 2%) e cortadas em pequenos fragmentos de 2mm² em estéreis condições e colocadas sobre o meio de cultura. Após alguns dias, os fungos presentes nesses pequenos pedaços foliares emergem sobre o meio de cultura (Fig. 1) e posteriormente são isolados e identificados com uso de outras técnicas apropriadas.
Por serem imperceptíveis, durante muito tempo eles passaram despercebidos até mesmo para os cientistas. O termo endofítico foi introduzido em 1866, mas somente a partir da década de 1980 iniciaram-se estudos com fins ecológicos envolvendo tais microorganismos. Apesar de microscópicos e pouco estudados, os endofíticos são notáveis por sua riqueza e ampla distribuição dentre as espécies vegetais de todo o planeta. Numa escala global, acreditase que existam mais de um milhão de espécies, sendo que uma mesma árvore pode albergar centenas delas. Evidentemente esse grau de diversidade e a frequência varia de uma planta para outra. No cacauzeiro (Teobroma cacao), por exemplo, foram encontradas 340 espécies de fungos endofíticos, enquanto no alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia) cerca de 60 espécies (Fig. 2). Variações também são encontradas dentro de uma mesma espécie, conforme a idade e o sexo do indivíduo, bem como as condições do órgão da planta, a estação do ano e a região geográfica em que se encontra. Além disso, há uma especificidade na relação endofíticohospedeiro e, em geral, há dominância de determinadas espécies de endofíticos para cada planta.
A transmissão dos endofíticos a novos indivíduos se dá de duas formas: vertical ou horizontalmente. Na primeira o fungo é passado da planta mãe aos seus descendentes através das sementes. Na segunda, esporos fúngicos são repassados de um indivíduo a outro por via aérea, pela água ou mesmo por intermediários como artrópodes que eventualmente pastoreiam pelos vegetais.
O estudo dos endofíticos tem se revelado também promissor ao permitir alternativas para o desenvolvimento de drogas medicinais. A revolucionária descoberta da produção do taxol pelo fungo Taxomyces andreanae – droga amplamente utilizada no tratamento de câncer de mama e útero, antes obtida apenas a partir da planta hospedeira do endofítico, Taxus brevifolia – impulsionou novas pesquisas no ramo. A partir do fungo cultivado em laboratório é possível obter uma quantidade expressivamente maior de extrato do que se obteria por meio da planta. Fato que proporciona menor exploração desta e minimiza riscos de extinção, uma vez que a espécie é arbórea e apresenta um crescimento lento.
Uma recente descoberta brasileira vem também demonstrando que os fungos endofíticos de alecrim-do-campo, espécie vegetal conhecida pelo seu alto potencial antibiótico, apresentam propriedades que inibem ação de microorganismos patogênicos. O estudo indica que esses fungos endofíticos provavelmente maximizam a proteção da planta hospedeira contra patogênicos. Não obstante, as substâncias ativas desses fungos endofíticos poderão ser usadas, em um futuro próximo, para minimizar as grandes perdas em nossas lavouras causadas por enfermidade como a ferrugem ou o bolor verde. Agora, toda vez em que avistar uma exuberante árvore, não se esqueça de que, apesar de silenciosos e inocentes, ali coexistem minúsculos seres ocultos sem os quais a planta não
teria tanto vigor.
Acesse em: http://inot.org.br/wp-content/uploads/Costa-et-al-20091.pdf