O evento reuniu pesquisadores de Minas Gerais, Espírito Santo e representantes da Renova e IEF-MG para apresentar pesquisas da fauna e flora da bacia do rio Doce

O rompimento da barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais, resultou num dos maiores desastres de mineração na história que o Brasil já vivenciou. Foram mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério despejados na calha do rio Doce, afetando desde sua porção mineira até sua extensão no Espírito Santo. O rejeito percorreu 663 km de Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo, impactando toda a flora e fauna, a distribuição de água, o sistema de pesca e o turismo. Dada a sua dimensão, o rompimento ocasionou a morte de 19 pessoas, desabrigou mais de 600 e atingiu mais de um milhão de pessoas de forma direta e indireta.

A região enfrentou uma crise ambiental sem precedentes, desencadeando uma série de desafios que perduram até os dias atuais. Desde então, diversos esforços coordenados de pesquisa têm sido mobilizados para avaliar a extensão do desastre e recuperar a sustentabilidade ambiental da bacia. Em uma iniciativa conjunta das redes de pesquisa Terra-Água (UFV) e Biochronos (UFMG), foi realizado o I Simpósio de Integração de Pesquisas na Bacia do Rio Doce – IntegraDoce, nos dias 4 a 6 de abril de 2024, no campus da Universidade Federal de Viçosa.

Coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Frankl Sperber (UFV) e pelo Prof. Dr. Geraldo Wilson Fernandes (UFMG), o evento buscou reunir pesquisas inéditas nos ambientes aquático e terrestre ao longo da bacia do rio Doce, realizadas tanto na porção mineira quanto na capixaba.

Da fauna à flora, dos rios às matas

Foram 28 palestras, 85 pôsteres apresentados, uma mesa-redonda e o lançamento de um livro. No primeiro dia, as apresentações abordaram pesquisas em ambientes terrestres, destacando tópicos como solo, mata ciliar, macrofauna, saúde do ecossistema, regeneração vegetal, processos ecológicos, decomposição e invasão biológica, entre outros.

No segundo dia, foram apresentadas pesquisas no ambiente aquático, incluindo limnologia, invertebrados aquáticos, peixes, herpetofauna, invertebrados estuarinos (da foz do rio), dinâmica hídrica, entre outros. Já no terceiro dia, o foco esteve nos trabalhos desenvolvidos na bacia do Espírito Santo, relacionados a políticas públicas e questões sociais.

As pesquisas apresentaram resultados sobre quatro abordagens: 1. Mapeamento da biodiversidade e processos ecológicos das áreas conservadas e impactadas do rejeito; 2. Como o desastre da Samarco interferiu nos processos ecológicos no ambiente terrestre e aquático da Bacia do Rio Doce?; 3. Base de dados que irão auxiliar em ações para mitigação e restauração das áreas impactadas pelo rejeito; 4. Devolutiva social.

Ao todo, mais de 300 pessoas participaram do evento, entre pesquisadores, alunos e interessados. O simpósio também ofereceu participação virtual aberta ao público, com mais de 980 visualizações no Youtube até o momento. A gravação pode ser assistida acessando o link.

Integração entre Minas Gerais e Espírito Santo 

O simpósio foi o primeiro focado na integração das pesquisas desenvolvidas nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Embora tenham ocorrido vários encontros e seminários reunindo pesquisadores atuantes na bacia nos últimos anos, eles foram, em sua maioria, focados no monitoramento do cumprimento dos projetos aprovados e isolados entre redes de pesquisa.

As pesquisas realizadas no Espírito Santo, através da Rede Rio Doce Mar, investigam os impactos na bacia e na foz capixabas, enquanto as pesquisas realizadas no estado de Minas Gerais, em seis redes de pesquisa apoiadas pela chamada 10/2018 FAPEMIG/RENOVA, investigam impactos desde o epicentro do rompimento até a divisa dos estados.

Para o palestrante Daniel Negreiros, pesquisador da UFMG, o simpósio permitiu entender a interface e a sobreposição entre grupos de pesquisa, incentivando a integração de dados, resultados e a projeção de parcerias que poderão ser formadas.

“As diversas visões parciais do mesmo problema puderam ser expostas em um mesmo fórum. Esses detalhes de cada especialidade, ao fim, estão intrinsecamente conectados e podem iluminar caminhos para solucionar ou pelo menos mitigar os efeitos desse desastre ambiental de tão grandes proporções”, explicou Daniel.

Conhecer para recuperar: pesquisas são base para planos de ação para mitigar os impactos

O objetivo do Simpósio foi não apenas analisar as consequências imediatas do rompimento da barragem, mas também compreender suas ramificações de longo prazo sobre a flora, fauna, paisagem e comunidades locais, além de oferecer uma base de conhecimento para gerar ações de recuperação, restauração e conservação contínua da bacia do rio Doce.

Os resultados do simpósio mostraram que o desastre não causou apenas uma mudança da qualidade do solo e da água, mas alterou a diversidade, a composição da flora como da fauna, modificou as relações entre os organismos e a dinâmica das matas ripárias ao longo de toda a bacia do Rio Doce.

Para a pesquisadora Yumi Oki, uma das organizadoras, o simpósio ultrapassou as expectativas, tanto na qualidade e profundidade das palestras e apresentações de pôsteres, quanto no intercâmbio de conhecimento gerado.

“Os resultados apresentados demonstram que, apesar de já terem se passado oito anos do acidente, as sequelas do desastre sobre a diversidade e o funcionamento do ecossistema ainda são evidentes, evidenciando a urgência de iniciativas como o IntegraDoce na busca por respostas e ações concretas para a recuperação da bacia do rio Doce.”, afirmou Yumi.

Para o coordenador, Carlos Frankl Sperber, o simpósio foi um marco para uma das maiores concentrações de esforços de pesquisa e inteligência em uma mesma bacia hidrográfica no Brasil.

“A partir deste evento, espero que possamos construir um projeto integrado e de longo prazo para a restauração ecológica da bacia e seu monitoramento, integrando pesquisadores de Minas Gerais e Espírito Santo em um projeto com metas definidas e visando à restauração sustentável e exemplar da bacia do Doce, um exemplo para o Brasil e o mundo”, concluiu.

Como produtos do evento, estão planejadas a publicação de um livro, reunindo todos os trabalhos apresentados em linguagem acessível; e a produção de um documento de síntese para orientar políticas públicas. Este documento abordará o panorama dos impactos do desastre, recomendações para mitigação e desenvolvimento de planos de ação e restauração.

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