A vida em geral é muito complexa, pois é composta por muitos atores e por muitas engrenagens sociais, às quais estão imersas no ambiente que nos cerca e, portanto, são voláteis no tempo e espaço. Talvez, de forma muito simplista, ela possa ser vista como um conjunto infindável de engrenagens dispostas ao longo de vetores que se espalham em todas as dimensões do espaço-tempo. Quando uma engrenagem para, por menor que seja, há reflexos imediatos ao nosso redor, mas esse efeito pode ser sentido a longas distâncias com tempos indefinidos.

Os efeitos das nossas atividades tem sido a causa de inúmeros impactos no funcionamento das engrenagens que movem o campo rupestre. Às vezes podemos ver e sentir os efeitos desses impactos, mas às vezes as engrenagens são pequenas e os efeitos podem não ser vistos tão facilmente. Se os efeitos persistem ou não cuidamos dos reparos, os mesmos podem se somar e causar grandes impactos.

Um grande perigo que corremos é o da irreversibilidade dos efeitos. Isso acontece quando não conseguimos recuperar o sistema mais, ou seja, quando atingimos o tipping point, ou ponto de não retorno. Podemos facilmente encontrar nos nossos campos exemplos claros desses efeitos, como o da invasão por plantas alienígenas ou exóticas ao longo da rodovia MG10, o das construções clandestinas ou oficialmente autorizadas em cima de espécies únicas ou endêmicas, como o caso da antena nas margens lindeiras da rodovia MG10 que impactou uma população de Diplusodon orbicularis, a flor de papel, ou o da destruição de espécies endêmicas ao longo da rodovia. Isso apenas para ilustrar algumas situações que me vem à mente neste momento de reflexão para escrever este editorial. Mas há centenas de exemplos de problemas que temos causado no campo rupestre e isso tem reflexo em todo o complexo sistema deste ambiente único. Só não entendemos ainda como os efeitos se somam e serão propagados e nem mesmo os reflexos em nossas atividades sejam elas comerciais ou não.

Assim, entender quais são as engrenagens, como elas funcionam e se acoplam é fundamental.  Os estudos científicos são cruciais para que possamos reparar os danos, e amenizar os impactos que causamos no ecossistema que nos trouxe para as montanhas para viver ou para construir uma vida de negócios, de riquezas espirituais, ou mesmo econômicas.

Neste número inicial de 2022 coincide com o momento que começamos a sair de uma global que já dura mais de dois anos, e nele para conhecerem um pouco mais sobre os trabalhos dos cientistas que perambulam pelas serras do Espinhaço para entender a importância das abelhas no sistema montanhoso e o perigo que correm as flores na busca por atrair seus polinizadores. Além disso, apresentaremos como funciona uma importante engrenagem abaixo do solo do banco formado pelas sementes das espécies que habitam o mundo acima dele, e ainda, pela primeira vez, compreender como as plantas que vivem num solo tão pobre em nutrientes conseguem sobreviver na miséria nutricional e hídrica.  A última matéria desta edição nos traz informações inovadoras sobre como podemos ajudar a restaurar o ambiente extremo e adverso do campo rupestre.

Os estudos ambientais na Serra do Cipó e arredores têm atraído a atenção do mundo todo e apresentado muitas novidades científicas. Essa crescente visibilidade internacional deste reduto singular de diversidade tem aumentado as visitas científicas, as quais tem auxiliado na economia local. O PELD tem contribuído com a maior parcela dessas visitas e popularização da Serra tanto para a academia nacional quanto internacional. Nesse número do Warming, inauguramos uma nova seção que apresenta os cientistas que nos visitam. E nessa seção inaugural entrevistamos a Doutora Jennifer Powers da Universidade de Minnesota, EUA. 

Preocupados com os rumos incertos da Serra do Cipó também divulgamos o evento número 3 do workshop Serra do Cipó (IN)sustentável: Sementes para o Futuro, um evento que mostra a importância da ciência para a solução de problemas ambientais e sociais no Espinhaço. 

Por fim, dedicamos esse número a um jovem cientista que nos deixou muito prematuramente, Michel Stórquio Belmiro, Mestre em Genética pela UFMG, e que nos ajudou a melhor entender os seres microscópicos que habitam as plantas do campo rupestre. Ele ingressou com a vontade de descobrir e a possibilidade de desvendar os seres microscópicos que habitam as plantas do campo rupestre e deixou lembranças.

O declínio de abelhas polinizadoras tem sido relatado em várias regiões do planeta nos últimos anos. Dentre as principais causas ligadas ao desaparecimento das abelhas, destacam-se a aplicação indiscriminada de pesticidas, a perda de habitats e alterações climáticas. Existem provavelmente mais de 20.000 espécies de abelhas em todo o mundo! Elas são o grupo mais importante de polinizadores e a perda dessas espécies traz graves consequências para as plantas polinizadas por elas, com profundos reflexos tanto nos ambientes naturais quanto nos manejados, pois são responsáveis por grande parte da produção de alimentos de todo o mundo. As abelhas são responsáveis pela polinização de 2/3 das plantas com flores existentes no planeta e cerca de 90% das culturas de importância global dependem delas para polinização.

Nosso grupo de pesquisas estimou que uma possível crise de polinizadores levaria a uma drástica diminuição da produção agrícola e perdas imensuráveis na biodiversidade do Brasil. Desta forma, é de grande interesse econômico e ecológico entender os fatores que influenciam e limitam a distribuição destes animais. O primeiro passo é saber quais são as espécies de abelhas que existem. Começamos a estudar as abelhas da Serra do Cipó, para entender o que está acontecendo ao redor do planeta e neste primeiro momento, concentramos os estudos nas abelhas de orquídeas, que cientificamente são conhecidas como “Euglossini”.

Abelha visitando as flores da Canela-de-ema Barbacenia flava

As espécies de abelhas de orquídeas têm sido consideradas um grupo particular de abelhas por possuírem uma alta diversidade em regiões mais baixas (menores altitudes) e em latitudes também mais baixas (quanto mais próximo da linha do equador menor a latitude). Além disso, essas espécies de abelhas são tipicamente florestais, com uma maior abundância nos trópicos úmidos, como na floresta Amazônia. Mas em ambientes mais secos, como o Cerrado, as abelhas Euglossini também são importantes polinizadores de diversas famílias de plantas. Uma característica peculiar destas abelhas, e exclusiva dos machos, é coletar compostos voláteis em pétalas de flores destas famílias de plantas.

Para atrair as abelhas Euglossini, foram utilizados iscas-odoríferas, ou seja, aromas análogos às substâncias presentes nas flores, de sete compostos sintéticos (essências). Os dados do clima, solo e da vegetação foram também registrados, pois são importantes para entender onde vivem e o que fazem essas abelhas em suas plantas. Neste primeiro estudo foram coletadas 786 abelhas Euglossini de 14 espécies diferentes. Este é um número alto de espécies quando comparado a outros lugares do Cerrado. Assim, a Serra do Cipó tem também uma alta diversidade de espécies de abelhas de orquídeas!

Mas nem todas as espécies dessas abelhas são comuns. Algumas espécies foram encontradas em apenas uma faixa de altitude (Euglossa violaceifrons, Exaerete smaragdina), enquanto outras (Eulaema nigrita, Eulaema cingulata, Eulaema securigera, Euglossa melanotricha e Euglossa leucotricha), foram encontradas desde o rio Cipó até o ponto mais alto da Serra do Cipó. Também observamos que há mais espécies que ocorrem na parte de baixa da Serra do Cipó do que nas partes mais altas. Este é um fenômeno comum no qual as espécies são em geral mais numerosas nas altitudes baixas.

O estudo também mostrou que o número de espécies de abelhas de orquídeas é diferente entre as estações seca e chuvosa. Há mais espécies na estação chuvosa, onde foram encontradas todas as 14 espécies, do que na estação seca, onde foram registradas apenas 10 espécies. Em resumo, a Serra do Cipó tem uma rica fauna de abelhas de orquídeas. Por outro lado, algumas são raras e merecem cuidados ou podem desaparecer e isso pode resultar em perda de biodiversidade e de polinização de alguma espécie que só é polinizada por elas.

Não sabemos ainda quem são as espécies que estas abelhas polinizam, ou seja, precisamos de mais estudos para entender melhor o papel delas nesse ambiente. Mas sabemos que sem estas abelhas muitas espécies de plantas podem não se reproduzir e assim deixar de existir no campo rupestre. Outro aspecto que precisamos prestar atenção é quanto ao fogo. Muitas das espécies são raras e os eventos de incêndios recorrentes, como temos observado nos últimos anos, podem colocar todas estas espécies em perigo e com isso a polinização das nossas plantas cultivadas.

Os próximos estudos irão fornecer pistas de onde elas constroem seus ninhos, que outras espécies podem existir, as plantas que elas polinizam, e como as mudanças climáticas podem estar afetando suas colônias e todos nós indiretamente, seja por polinização deficiente das nossas plantas cultivadas, seja pela ausência delas na vegetação nativa de campo rupestre. As abelhas podem responder por 70% dos serviços de polinização no campo rupestre e a perda seria irreparável, com consequências muito sérias para todos nós.

Veja:

dos Santos, F.M., Beiroz, W., Antonini, Y., Martén-Rodríguez, S., Quesada, M., Fernandes, G. W. 2020. Structure and composition of the euglossine bee community along an elevational gradient of rupestrian grassland vegetation. Apidologie 51:675-687.
DOI: https://doi.org/10.1007/s13592-020-00752-7.

Novais, S. M., Nunes, C. A., Santos, N. B., Damico, A. R., Fernandes, G. W., Quesada, M., Neves, A. C. O. 2016. Effects of a possible pollinator crisis on food crop production in Brazil. PLoS One 11: e0167292
DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0167292.

Por:

A maioria das plantas com flores precisam de um polinizador biótico para produzir frutos e completar seu ciclo reprodutivo. Devido a isto, questões ligadas à biologia reprodutiva das plantas e os seus polinizadores têm sido amplamente documentadas por pesquisadores do mundo todo.

Os polinizadores tendem a visitar flores maiores e mais abundantes nas populações naturais, favorecendo plantas com esses atributos. Contudo, nem todos os visitantes que são atraídos pelas recompensas das flores são polinizadores. Muitas espécies de plantas recebem frequentemente antagonistas florais, como pilhadores de néctar, pólen e até herbívoros. Aqueles que se alimentam de qualquer parte de uma flor são conhecidos como florívoros. Deste modo, os efeitos positivos da seleção exercida pelos polinizadores podem ser neutralizados pelos antagonistas florais, mantendo indivíduos com flores menores e poucas flores em suas populações.  

Collaea cipoensis: arbusto endêmico da Serra do Cipó

Em um estudo realizado com uma espécie endêmica e restrita a pequenas manchas ao longo de cursos d’água no campo rupestre da Serra do Cipó, nós descrevemos os aspectos reprodutivos, examinando a sua dependência de polinizadores e analisando a função dos visitantes como polinizadores ou antagonistas florais. Essa espécie é um arbusto, a Collaea cipoensis. Também avaliamos, pela primeira vez para uma espécie de campo rupestre, se os efeitos positivos dos polinizadores são reduzidos pelos danos causados por antagonistas florais em termos da capacidade reprodutiva, isto é a produção de frutos e sementes viáveis.

Antagonistas florais visitando Collaea cipoensis

Collaea cipoensis é uma espécie que depende integralmente da polinização para produzir frutos e sementes, a qual é realizada pelos beija-flores Colibri serrirostris e Eupetomena macroura. No entanto, os polinizadores representaram unicamente 4% do total de visitas, enquanto formigas e abelhas antagonistas representaram 90% da visitação. Tem  destaque a abelha Trigona spinipes e a mosca sirfídea Toxomerus musicus, que são os ladrões de néctar mais frequentes nas flores. Plantas com flores maiores e mais abundantes receberam mais visitas de ambos, polinizadores e antagonistas. A capacidade reprodutiva da planta diminui consideravelmente em flores atacadas por ladrões de néctar e florívoros em comparação com as flores intactas. 

O conflito entre custo e benefício de atrair visitantes foi confirmado pois polinizadores e antagonistas florais preferem plantas com flores maiores e mais abundantes. Os antagonistas florais reduzem a capacidade reprodutiva feminina nesta planta endêmica. Uma forma de escapar desse perigo, é apresentar tamanho e número de flores intermediários para escapar dos antagonistas, o que resulta em um aumento na produção de frutos e sementes viáveis, melhorando assim o sucesso reprodutivo.  

Estudos que quantifiquem o custo que representa para a reprodução das plantas lidar com os antagonistas florais são ainda insuficientes, porém importantíssimos quando falamos de ambientes fortemente ameaçados por pressões causadas pelas mudanças globais, como no campo rupestre. 

Veja:

Gélvez-Zúñiga, I., Neves, A. C. O., Teixido, A. L., Fernandes, G. W. 2018. Reproductive biology and floral visitors of Collaea cipoensis (Fabaceae), an endemic shrub of the rupestrian grasslands. Flora 238:129-137. DOI: https://doi.org/10.1016/j.flora.2017.03.012.

Gélvez-Zúñiga, I., Teixido, A. L., Neves, A. C. O., Fernandes, G.W. 2018. Floral antagonists counteract pollinator-mediated selection on attractiveness traits in the hummingbird pollinated Collaea cipoensis (Fabaceae). Biotropica 50:797-804. DOI: https://doi.org/10.1111/btp.12574.

Nunes, F. P., Carvalho, V. C. Vieira, V. S., Fernandes, G. W., Oki, Y. 2017. Influência da temperatura na germinação de sementes de Collaea cipoensis Fortunato (Fabaceae), espécie endêmica de campo rupestre. MG BIOTA 10:35-40.

Por:

A capacidade de manter a diversidade de plantas está diretamente associada aos mecanismos de regeneração natural. Estes mecanismos provavelmente evoluíram para favorecer a reprodução das espécies em diferentes tipos de ambientes. Um dos mecanismos mais interessantes é a formação do banco de sementes, onde as plantas armazenam suas sementes no solo, aguardando condições ambientais favoráveis para germinar. Dentre as condições favoráveis estão a temperatura, disponibilidade de luz, água e nutrientes. Contudo, algumas vezes, as sementes podem ser dispersas antes de estarem prontas ou terem mecanismos que impedem sua germinação.

Gramínea presente no banco de sementes

O banco de sementes do solo é um sistema muito dinâmico. Ao serem dispersadas, as sementes caem no chão ou são enterradas (por animais ou pela chuva), promovendo uma entrada de sementes no “banco”. A saída de sementes do banco pode ocorrer pela morte, pela  predação ou pela própria germinação. Todas as sementes que estão neste sistema compõem o banco de sementes do solo, desde as camadas mais superficiais (como a serrapilheira ou folhedo) até as mais profundas. Este sistema então é um banco fornecedor de sementes ao longo do tempo, pois é abastecido por sementes que chegam durante o ano todo.

Devido à sua enorme contribuição para a reprodução das plantas, o conhecimento da dinâmica, tanto no espaço como no tempo, do banco de sementes pode explicar a adaptação das espécies às variações ambientais, como aquelas que ocorrem em diferentes altitudes e também ao longo do ano. Entretanto, poucos trabalhos foram realizados avaliando o banco de sementes em montanhas.

Espécies vegetais do banco de sementes nas áreas do PELD Cipó

Em um estudo inédito mostramos como o banco de sementes do solo varia ao longo do gradiente de altitude na Serra do Cipó. Encontramos um total de 1975 indivíduos que emergiram do solo, e estes foram agrupados em 149 espécies de plantas. Foi observado que enquanto o número de espécies de plantas na vegetação diminui com o aumento da altitude, o número de espécies de plantas no banco de sementes aumenta até a altitude de 1200 m. A partir daí há um menor número de espécies que emergem do solo nas altitudes superiores. Assim, nem todas as espécies que estão na flora estabelecida, compõem ou utilizam o banco de sementes como fonte de regeneração. Além das diferenças no número de espécies, as espécies tendem a ser diferentes quando a elevação varia, o que reflete a grande diversidade de plantas do Campo Rupestre. Somente seis espécies foram encontradas em todas as diferentes altitudes! As mais representativas do ambiente são espécies de gramíneas, ciperáceas e compostas.

O armazenamento de sementes no solo é uma estratégia muito interessante que permite às plantas se perpetuar no tempo. Sendo assim, estas plantas podem emergir no futuro, substituindo os indivíduos que senescem ou colonizam um ambiente recentemente perturbado, possibilitando a sua regeneração.

Veja: 

Luz, G. R., Mota, S. G., Spadeto, C., Tolentino, G. S., Fernandes, G. W., Nunes, Y. R. F. 2018. Regenerative potential of the soil seed bank along an elevation gradient of rupestrian grassland in southeastern Brazil. Botany 96: 281-298.
DOI: https://doi.org/10.1139/cjb-2017-0162

Medina, B. M. O., Fernandes, G. W. 2007. The potential of natural regeneration of rocky outcrop vegetation on rupestrian field soils in ‘Serra do Cipó’, Brazil. Brazilian Journal of Botany 30:665-678.
DOI: https://doi.org/10.1590/S0100-84042007000400011

O desenvolvimento, o sucesso reprodutivo e a sobrevivência das plantas estão intimamente relacionados à disponibilidade de nutrientes do solo. Estes nutrientes são essenciais para o crescimento e formação dos tecidos das plantas; mas quando em excesso, podem levar à uma alta taxa de mortalidade. Os solos do Campo Rupestre são considerados muito pobres em nutrientes. As altas concentrações de alumínio e ferro podem ainda ampliar os efeitos da pobreza em nutrientes e aprofundar os danos às plantas. Por exemplo, podem elevar a acidez do solo, que por sua vez pode reduzir a disponibilidade do nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio, magnésio e enxofre, tornando estes solos pouco férteis. Além disso, a grande quantidade de partículas mais grossas como areia, comuns no Campo Rupestre, ainda que permitam maior aeração do solo, dificultam a retenção da água e concentração de nutrientes. As chances de sucesso em ecossistemas como o Campo Rupestre envolvem o desenvolvimento de estratégias e adaptações que permitam a sobrevivência e sintonia com os fortes filtros ambientais neste ambiente extremo. 

O Campo Rupestre se destaca por abrigar uma alta diversidade de plantas únicas e finamente adaptadas aos rigores deste ecossistema. A espécie de canela-de-ema Vellozia nanuzae (Velloziaceae) é uma destas plantas.  Ela tem uma distribuição restrita à Serra do Cipó, tem porte herbáceo, é endêmica e rara, encontrada apenas em áreas rochosas. Esta espécie é conhecida pelo cheiro aromático de tuti-fruti devido à presença de diterpenos e flavonoides em seus frutos e folhas, que permitem que em dias ensolarados, este aroma seja sentido a dezenas de metros de distância. Possui elevado potencial de bioprospecção e, as suas folhas possuem compostos químicos, como nanuzona e 11β-hydroxy-nanuzona, potenciais para tratamento do câncer. Além disso, devido à produção de resinas em todos os órgãos, também apresenta potencial para uso em cosmética.

Canela-de-ema (Vellozia nanuzae) 

Por existir pouco conhecimento sobre as exigências nutricionais das plantas que habitam este ecossistema, nós avaliamos os efeitos da adição de fertilizantes  e diferentes substratos na sobrevivência e crescimento desta espécie de canela-de-ema. Espécies que são adaptadas a condições de poucos nutrientes apresentam características que retém e conservam os nutrientes, que maximizam a sobrevivência para o crescimento vegetativo. A tendência é que haja pouca alteração no desenvolvimento destas espécies quando as mesmas são expostas a um aumento na fertilidade do solo. Também esperamos que as espécies de plantas adaptadas a ambientes de solo pobre apresentem maior produção de raízes, talvez justamente para garantir um mínimo necessário às atividades necessárias a sobreviver no ambiente adverso.

Nossos estudos mostraram que a mortalidade das canelas-de-ema foi de aproximadamente 95% superior nos solos enriquecidos com fertilizantes e quase 100% em solos com adição de esterco nos primeiros 30 dias. As plantas que receberam  adição de nutrientes cresceram 53% menos em comparação com plantas que cresceram no solo natural da espécie. Assim, as canelas-de-ema sobreviveram e se desenvolveram melhor no solo de seu habitat natural, mesmo sendo ácido e muito pobre em nutrientes. Os resultados mostram que mais nutrientes nem sempre são melhores para a sobrevivência e desenvolvimento das espécies nativas que habitam ecossistemas inóspitos, como o do campo rupestre.

Esse estudo reforça uma informação muito útil e importante que nosso grupo de pesquisas havia relatado há mais de uma década, a de que a restauração do campo rupestre precisa ainda de muito conhecimento, e que a adição de fertilizantes e espécies de plantas que promovem a adubação verde dos solos pode na realidade representar um enorme problema e em nada ajudar o retorno do campo rupestre.  Um grande esforço deve ser feito para ampliar e aprofundar o conhecimento gerado neste trabalho e assim melhor subsidiar estratégias de conservação, restauração e manejo adequado dessas espécies e do campo rupestre.

Veja

More is not always better: responses of the endemic plant Vellozia nanuzae to additional nutrients. Acta Botanica Brasilica, 34:487-496. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-33062020abb0041.

Quem caminha pelas montanhas do Quadrilátero Ferrífero certamente já observou o campo rupestre ferruginoso associado a afloramentos rochosos, conhecido como canga. As características peculiares desses ambientes formam paisagens que lembram um mosaico que abriga espécies únicas! Remanescentes destas formações permanecem protegidos em Unidades de Conservação e parte está situada em áreas de interesse das atividades minerárias e de expansão urbana.

Pensando na reconstituição destes ambientes, implantamos um experimento para avaliar o desenvolvimento da vegetação natural em uma área degradada que recebeu uma quantidade de topsoil para sua restauração. Chamamos de topsoil a camada mais externa e superior do solo, a qual contém uma mescla de banco de sementes, raízes e fauna do solo. Para o experimento, utilizamos topsoil ferruginoso em diferentes espessuras (20 e 40 cm), imitando o que ocorre nos campos naturais. Também foram introduzidas mudas de 15 espécies de plantas provenientes de operações de resgate de flora na região do estudo.

Após 49 meses de experimento, observamos que a sobrevivência das plantas não apresentou diferença entre as espessuras de topsoil e que mais da metade das espécies plantadas sobreviveu. O topsoil mais espesso (40cm) apresentou maior cobertura vegetal, porém com grande contribuição (quase 20% da cobertura) de espécies não-nativas de potencial invasor. O topsoil de 20 cm apresentou maior riqueza de espécies nativas, as quais contribuíram mais para a cobertura vegetal comparado ao topsoil de 40cm.Registramos ainda a presença de espécies nativas não plantadas, típicas das cangas, colonizando a área de estudo. As espécies Vellozia caruncularis (canela-de-ema) Cuspania sp. e Pleroma heteromallum (orelha-de-onça) se destacaram pela sua alta performance. O uso de topsoil se mostra, assim, como uma técnica promissora para a restauração do campo rupestre ferruginoso, especialmente quando combinado com o plantio de espécies nativas.

É fundamental, no entanto, que seja planejado e realizado o manejo de espécies potencialmente invasoras para que a sobrevivência e colonização de espécies nativas seja mais efetiva. Esse estudo mais uma vez demonstra que é possível restaurar o ecossistema rupestre; por outro lado deixa claro que é fundamental um forte investimento na ciência e avanço nas políticas públicas para que a restauração ecológica seja de fato implementada nestes ecossistemas adversos de campo rupestre.

Veja: 

Topsoil depth influences the recovery of rupestrian grasslands degraded by mining. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 45:e0210056. DOI:10.36783/18069657rbcs20210056.

Agora em Março de 2022 foi lançado pela editora Springer (Suíça) um dos livros mais esperados na área de biodiversidade e bio-economia. O livro foi editado pelo coordenador do PELD Campos Rupestres da Serra do Cipó/CNPq, Geraldo Wilson Fernandes, e pelos pesquisadores Yumi Oki e Milton Barbosa da UFMG. O livro tem mais de 550 páginas e traz uma ampla abordagem do conhecimento mais atualizado das espécies de alecrim e carquejas do planeta.  Essas plantas pertencem ao gênero Baccharis e são mais de 440 espécies espalhadas nas américas. Esse grupo de plantas é um dos mais estudados do mundo nas áreas da ecologia, genética, química, farmacologia, medicina e economia! 

Neste grupo de plantas também encontramos espécies melíferas, que são fonte de própolis, espécies que podem fornecer fibras para construir sensores, fornecer resinas para essências, restaurar áreas degradadas e ainda ser usadas para controle de pragas e produzir compostos para curar uma infinidade de doenças. Várias espécies desse grupo de plantas desempenham papéis cruciais na manutenção da biodiversidade enquanto outras são espécies invasoras com implicações econômicas em todo o mundo.

Para construção desse livro, foram convidados pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento do mundo todo, a maioria deles consagrados internacionalmente. O livro foi organizado em quatro tópicos principais que abrangem a evolução, ecologia, química, bem como aplicações ambientais, ornamentais, culturais e médicas do gênero. Este livro também dedica uma seção inteira à química e ao potencial farmacológico único da própolis verde produzida pelas abelhas usando resinas coletadas de alecrim-do-campo e usadas mundialmente para tratar várias doenças. O livro traz à luz muitos dados novos e fornece sínteses atualizadas e novas em muitos de seus capítulos.

Esta publicação representa uma referência importante para um público de pesquisadores, acadêmicos, estudantes de doutorado e outros cientistas em uma ampla coleção de áreas.

Jennifer Powers na sua visita ao Inhotim

Professora dos Departamentos de Ecologia, Evolução e Comportamento, e Biologia Vegetal e Microbiana na Universidade de Minnesota, EUA. Pesquisa as relações entre os processos ecológicos, os padrões que eles geram e os efeitos das mudanças ambientais antropogênicas em uma variedade de ecossistemas. Mediante abordagens experimentais investiga processos biogeoquímicos e ecossistêmicos em escalas locais, regionais e globais que incluem os padrões de dinâmica de carbono e nitrogênio em ecossistemas florestais; os efeitos das mudanças no uso da terra; aquecimento global e deposição de nitrogênio nos processos de ciclagem de nutrientes; os feedbacks entre fertilidade do solo, processos vegetais e comunidades microbianas; e, como plantas individuais e espécies microbianas influenciam nos processos de ciclagem de elementos. A maior parte do seu trabalho de campo é em ecossistemas tropicais.

Editorial Warming (EW): Qual foi o estímulo que te levou a querer estudar as matas secas (da Costa Rica e do mundo)?

JP: Sempre quis trabalhar em florestas tropicais, comecei depois do mestrado, quando fui para a Estação Biológica La Selva, na Costa Rica, para trabalhar no laboratório de Sistemas de informação geográfica. Depois do doutorado, fiz um pós-doutorado na Área de Conservação de Guanacaste, na Costa Rica, e então conheci a mata seca. Fiquei cativada pela mata seca na Costa Rica! A diversidade é alta, mas não tão alta que você não consiga encontrar árvores da mesma espécie. Há tantos gradientes para investigar: gradientes nas propriedades do solo, na disponibilidade de água ao longo do ano (por causa da sazonalidade das chuvas), e também variação na precipitação total entre os anos e variação extrema nas propriedades funcionais das árvores, como árvores caducifólias (cujas folhas caem na estação seca) e espécies perenes coexistindo (que contam com folhas o ano todo. Nosso grupo trabalhou muito na floresta seca da Costa Rica em questões relacionadas aos padrões e mecanismos de sucessão, ciclagem de nutrientes e carbono e ecologia funcional. Então, queríamos saber se o que estávamos encontrando na Costa Rica se aplica às matas secas de outros países. Isso iniciou uma série de estudos comparativos analisando coisas como as características hidráulicas das árvores e a biogeoquímica do solo em diferentes florestas tropicais sazonalmente secas na Costa Rica, México, Colômbia e Porto Rico.

EW: Compartilha um pouco sobre sua relação com o desenho como estratégia para guardar conhecimentos e lembranças.

JP: É ótimo visitar lugares diferentes e tirar fotografias. No entanto, acho que aprecio e experimento mais um lugar se me sento para desenhar as coisas que me interessam. É uma maneira meditativa de focar minha atenção e realmente observar o mundo. Eu também tiro muitas fotos, para que eu possa desenhá-las depois. Acho que desenhar me ajuda a perceber que a natureza está ao nosso redor. Ainda é incrível para mim ver a estrutura das folhas ou notar as mudanças mensais em meu jardim em Minnesota. Aqui estão alguns exemplos da viagem ao Brasil, as quais são ótimas lembranças para mim.

Desenhos da Jennifer após visitar alguns parques na região

EW: Quais são os principais aprendizados e desafios de envolver as comunidades nos esforços de conservação da mata seca?

JP: Acredito que muitas pessoas estão interessadas em conservação, mas às vezes conciliar a conservação e o uso da terra pelas comunidades humanas chega a ser difícil, devido a isto, o caminho a seguir para alcançar ambas ainda não é claro. Acho que um ótimo caminho a seguir é ajudar com atividades de educação que ensinem as crianças e adultos sobre os valores da proteção dos ecossistemas. No entanto, essa educação é uma via de mão dupla, porque aprendi muito sobre história natural, restauração e outras coisas ouvindo os moradores locais que vivem dentro e ao redor das matas secas. 

EW: Como vê o presente e futuro das matas secas no cenário das mudanças climáticas?

JP: As mudanças climáticas estão resultando em condições mais quentes e chuvas mais variáveis em comparação com os regimes climáticos anteriores. Dentro das comunidades florestais, observamos uma variação em termos de quais espécies de árvores – por exemplo – são mais afetadas por eventos climáticos extremos. Os tipos de mudanças que estamos vendo agora têm claramente o potencial de mudar a composição da comunidade dentro das matas secas para espécies que são mais tolerantes à seca. Por outro lado, em diferentes comunidades de florestas tropicais secas, acho que algumas serão mais afetadas pelas mudanças climáticas do que outras. O quão acostumada uma floresta está a um regime variável de chuva pode ser um melhor preditor de quais florestas são mais vulneráveis às mudanças climáticas do que a quantidade média anual total de chuvas.

EW: Como você enxerga o papel atual das mulheres na ciência, e quais acredita que são os principais desafios para as mulheres na ciência?

JP: Tenho visto muitas mudanças positivas para as mulheres na ciência ao longo da minha vida. Quando eu estava na universidade, havia apenas uma mulher na faculdade de biologia. Agora, vejo que há tantas professoras quanto professores em ambos os departamentos dos quais faço parte na Universidade de Minnesota. Dito isso, ainda acho que existem estereótipos de como um professor de ciências “deveria” ser. 

EW: Qual a sua impressão do Campo rupestre após esta primeira visita?

JP: EU ADOREI o campo rupestre. Que ecossistema incrível! Foi uma honra e um prazer aprender com todos vocês sobre esse ecossistema incrível. Uma vez que você conhece o campo rupestre, dá vontade de sair conversando com todos o mundo para contar sobre a beleza, a diversidade e o quanto são intrigantes as adaptações a esse ambiente extremo. O campo rupestre parece um playground para biólogos! 

Saiba mais sobre as pesquisas da Jennifer em: https://tropicaldryforest.wordpress.com/ 

No sábado passado, 30 de abril de 2022, a equipe do PELD-CRSC organizou o “III Serra do Cipó (In) Sustentável – Sementes para o futuro”, na Escola Estadual Dona Francisca Josina da Serra do Cipó, Santana do Riacho. 

Foi um momento especial de partilha com a comunidade e gestores locais da Serra do Cipó sobre as mensagens que a ciência traz sobre a biodiversidade, a importância dos serviços ecossistêmicos, bem como os desafios para a sustentabilidade da região.

Palestra sobre os riscos das mudanças globais nas interações ecológicas e biodiversidade da região.

Foram apresentados e debatidos tópicos de relevância atual como as mudanças globais, os impactos decorrentes da conversão dos solos na Serra do Cipó, o ecoturismo predatório, os impactos das vias de escalada na Serra, as invasões biológicas por espécies exóticas, a agroecologia, os impactos do fogo, dentre outros.  Além disso, a comunidade foi convocada a participar de três eventos importantes que devem acontecer em breve na Serra: a serra que eu quero, Serra Limpa, e a construção  de um pacto pelo campo rupestre.

Palestra sobre os impactos ambientais gerados por atividades de escalada na região

Acreditamos que o diálogo junto à comunidade foi de grande importância para abordar os principais desafios que afligem o meio ambiente na Serra, e esboçarmos em conjunto soluções possíveis para a região. O evento foi transmitido pelo nosso canal de Youtube e Instagram. Consulte: https://www.youtube.com/channel/UCylyJaeyZasg1XF2Jt_blHA/featured.

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