Warming – Boletim 008

Enquanto os sinais de alerta sobre o aquecimento global, que precisamos mudar para diminuir as nossas pegadas no planeta com urgência, são apresentados ao cidadão comum em todos os cantos e rincões do planeta Terra, continuamos marchando rumo a um futuro incerto. Inertes ao conhecimento que extravasa laboratórios e dos cérebros dos pensadores marchamos sem questionar. Apenas sobrevivemos ao momento ruim da história onde o negacionismo prosperou entre os ignorantes e aproveitadores de uma elite obtusa, mas certamente focada em obter vantagens econômicas a qualquer preço. Como se tivessem ao seu dispor naves para os conduzir a outras paragens onde estariam livres dos problemas que os teóricos profetizam irão tornar o mundo cada vez mais perigoso.

Salvar a segunda maior cordilheira da América do Sul em extensão é algo grande e exige um esforço hercúleo! Não se faz isso de um dia para o outro. Se faz com o envolvimento de pessoas que querem lutar pelo bem comum, para que tenhamos recursos naturais para ajudar 50 milhões de brasileiros em sua trajetória, pois do Espinhaço vem a água, os polinizadores, alimento, fibras, medicamentos, minérios e a inspiração para a luta. Na primeira matéria desse número falamos de uma proposta de nos unirmos para lutar em favor do uso sustentável do campo rupestre. O artigo, que pode ser lido também em português, fala da importância do momento e da necessidade premente em elaborar estratégias sustentáveis antes que nossos horizontes sejam transformados definitivamente em buracos, florestas geométricas ou mesmo sejam escondidos por telhados, nossos rios entupidos pela erosão do quartzo e ferro.

Também nesta edição do Warming abordamos os segredos da polinização das espécies nativas do campo rupestre e desvendamos quem são os principais organismos que polinizam as belas flores dos campos e rochas de quartzo. Outra matéria nos informa como interagem as formigas, insetos herbívoros e uma erva de passarinho muito comum no Cerrado. Ainda outra matéria trata de insetos que agem como engenheiros de ecossistemas, pois são assim chamados por manipularem os recursos naturais e construir abrigos ou estruturas que permitem a coexistência de vários outros organismos. Assim, contribuem com a diversidade encontrada nos campos do Cipó.

Trazemos ainda uma entrevista com o renomado pesquisador argentino, Ramiro Aguilar que nos conta sua trajetória científica e como vê o desenvolvimento da sua área no futuro próximo. O novo livro sobre os pássaros do Cipó é apresentado ao público por um de seus editores, Fernando Goulart, que relata a odisseia que as vezes temos de travar para ter trabalhos importantes como este levado ao público brasileiro. Por fim compartilhamos o intercâmbio de cooperação realizado com o Prof. Ezequiel Fabiano (Universidade de Namíbia) em visita ao site do PELD-CRSC, e quem participou de um curso de campo sobre Ecologia do Cerrado para alunos de pós-graduação do Programa de Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre da UFMG, e em atividades de pesquisa sobre o impacto do fogo no campo rupestre e matas nebulares na Serra do Cipó.

A sustentabilidade é um conceito que abrange uma infinidade de benefícios fornecidos pelos ecossistemas naturais, os quais asseguram a subsistência e o bem-estar dos seres humanos, e que engloba desde a persistência da biodiversidade até a regulação do clima. Entende-se a sustentabilidade como a capacidade de suprir as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades. 

Nas últimas décadas, a conservação das florestas tropicais tem atraído a maior parte dos holofotes devido a sua inegável importância. No entanto, apesar de sua alta diversidade e da importância dos serviços ecossistêmicos que fornecem, ecossistemas abertos como o do campo rupestre, vem sendo historicamente desprezados. O campo rupestre apresenta uma importantíssima riqueza ecológica, social, cultural, geoambiental e econômica, sendo um importante reservatório de biodiversidade e serviços ecossistêmicos para mais de 50 milhões de brasileiros. 

Após discussões envolvendo cientistas, representantes da indústria, gestores ambientais e outros membros da sociedade civil, foi publicado recentemente um trabalho inédito onde são discutidas as principais ameaças atuais à persistência desse ambiente como reservatório de importância estratégica para o país, destacando as ações prioritárias para sua manutenção. Essas ações incluem esforços relacionados à restauração ecológica, ecoturismo sustentável, proteção do conhecimento ecológico tradicional, identificação de questões de pesquisa emergentes e desenvolvimento de políticas públicas sob medida.

Nós detalhamos algumas das principais atividades que representam ameaças significativas à biodiversidade do campo rupestre e à prestação de serviços ecossistêmicos. Estas incluem mal planejamento na construção de estradas, as quais cortam de fora a fora as montanhas do Espinhaço e outras áreas relevantes e crescimento urbano descontrolado e mal planejado. Além disso, soma-se à lista infindável, a mineração insustentável e o garimpo que historicamente tem deixado grandes sequelas ambientais em todos os níveis e escalas. Mas os problemas não param por ai e exemplos são o da expansão do plantio de monoculturas de árvores exóticas (por exemplo, eucalipto), o agronegócio, a exploração excessiva de espécies ornamentais e o ecoturismo, que de sustentável e ecológico nada tem. Essa lista toda de problemas é facilitada pela falta de governança dos setores governamentais que deveriam entender e zelar pelo campo rupestre.

Consecutivamente, propomos algumas diretrizes para fomentar a constituição de um plano de ação baseado em evidências para a conservação e gestão sustentável da biodiversidade e serviços ecossistêmicos do campo rupestre. Essas ações são integradas em uma construção coletiva que representa um roteiro para salvaguardar o campo rupestre de uma maior degradação e direcionar sua superexploração histórica em busca de uma gestão sustentável.

Ao estabelecer prioridades e diretrizes, propomos um plano que esperamos possa subsidiar a tomada de decisões informadas para o uso sustentável desse ecossistema. Contudo, estamos cientes de que, apesar de ser uma tarefa urgente, esse planejamento precisa ser discutido em profundidade e parcerias sólidas estabelecidas com os diversos atores da sociedade para atingir o nível de governança que esse ecossistema necessita para sobreviver a esses tempos de mudanças globais.

Veja:

Fernandes, G. W., Arantes-Garcia, L., Barbosa, M., et al. 2020. Biodiversity and ecosystem services in the campo rupestre: A road map for the sustainability of the hottest Brazilian biodiversity hotspot. Perspective in Ecology and Conservation,18:213-222.
DOI: https://doi.org/10.1016/j.pecon.2020.10.004

Fernandes, G. W. 2016. The shady future of the rupestrian grassland: major threats to conservation and challenges in the Anthropocene. In: G.W. Fernandes (Ed.), Ecology and Conservation of Mountaintop Grasslands in Brazil, Springer, Switzerland, pp. 545-561.
DOI:https://doi.org/10.1007/978-3-319-29808-5_23

Fernandes, G. W., Barbosa, N. P. U., Alberton, B., et al. 2018. The deadly route to collapse and the uncertain fate of Brazilian rupestrian grasslands. Biodiversity Conservation, 27:2587-2603.
DOI: https://doi.org/10.1007/s10531-018-1556-4

Por:

O campo rupestre concentra cerca de 15% da biodiversidade de plantas em menos de 1% do território do nosso país. Isso quer dizer que essa vegetação apresenta uma enorme diversidade de espécies e nelas encontramos diferentes hábitos: das gramíneas dominantes e outras ervas, arbustos até árvores, com arquiteturas diversas. Como consequência dessa enorme variedade de espécies, o campo rupestre apresenta também uma diversidade incrível de flores de distintos formatos, tamanhos, cores e cheiros. Outra característica marcante do campo rupestre, que ocorre em altitudes mais elevadas de regiões montanhosas, é que está composto por diferentes tipos de vegetação organizadas como se fossem um mosaico ou colcha-de-retalhos, que também variam ao longo do gradiente de altitude (mas isso é outra história!). Cada vegetação cresce sobre diferentes tipos de solos, e as principais são os campos arenosos, campos pedregosos, campos úmidos, afloramentos rochosos e cerrados. Cada uma dessas vegetações apresenta composições de espécies particulares e, consequentemente, variados tipos de flores, exibindo distintos modos de polinização.

 Diferentes morfologias florais encontradas nas plantas do campo rupestre. Fotos: BL Monteiro, LPC Morellato e MGG Camargo.

A polinização é a transferência do pólen da parte masculina para a parte feminina das flores. Este processo é fundamental para a reprodução de muitas plantas, pois é assim pode ocorrer a fecundação levando a formação dos frutos e sementes. Quem realiza esta importante tarefa são os agentes polinizadores. Estes podem ser o vento, a água e, principalmente no Brasil e regiões tropicais, os animais, principalmente os insetos. 

A grande variedade de flores com cores, odores, formas e tamanhos diversos, indicam distintos agentes de polinização, e isso não é diferente no mosaico de vegetações do campo rupestre! Temos muitos tipos florais e de polinizadores! Considerando o cenário atual de grande perda de biodiversidade, e a importância dos polinizadores para a reprodução das plantas em geral, incluindo as cultivadas, nos interessamos em saber sobre a polinização do campo rupestre, que é um ecossistema muito ameaçado. Vamos conhecer um pouco mais?

Realizamos um estudo para entender quais são os sistemas de polinização presentes no campo rupestre e como estão distribuídos no mosaico de vegetações. O sistema de polinização é como denominamos a relação entre os diferentes tipos florais com os seus agentes polinizadores observados em campo. Por exemplo, há as flores com tubos longos e cores vibrantes que são polinizadas por beija-flores e seus longos bicos, ou flores minúsculas, sem atrativos, mas com uma imensa quantidade de pólen que são polinizadas pelo vento e até mesmo flores brancas e pequenas que podem ser polinizadas por qualquer inseto que a visite. Nosso estudo demonstra que os principais sistemas de polinização no campo rupestre são as abelhas, que é uma polinização biótica ou por animais, seguido pelo vento (que chamamos polinização abiótica, pois não depende de nenhum animal). A vegetação do campo rupestre é dominada por gramíneas e outras ervas que são polinizadas predominantemente pelo vento, explicando a importância da polinização por esse agente.  Na caracterização geral, a polinização biótica, realizada por diferentes grupos de animais é a dominante no campo rupestre.

Dentro dos diferentes grupos de polinizadores bióticos ou animais, alguns se mostram extremamente importantes, pois são responsáveis pela conexão dessa paisagem em mosaico, garantindo a reprodução de espécies que possuem populações pequenas e distantes uma da outra. Esse é o caso das abelhas grandes e dos beija-flores, capazes de voar longas distâncias para visitar as plantas em busca de recursos, usualmente néctar, e efetuar a polinização. Esses animais voam de um afloramento para outro ou até mesmo ao longo do gradiente de altitude, efetuando a polinização e mantendo essa vegetação rica e diversa!

Porcentagem de espécies de plantas de campo rupestre com diferente sistema de polinização.

A partir desse estudo podemos entender um pouco melhor sobre os processos que levaram a alta diversidade de plantas no campo rupestre e a evolução desta importante vegetação. Podemos também elaborar estratégias de conservação, que contam com essas espécies de polinizadores para a sua manutenção. 

É importante lembrar que os animais polinizadores buscam nessas flores recursos para a sua sobrevivência, como o néctar e o pólen, e essas áreas nativas são de grande importância para a conservação desses animais. Entretanto, se pensarmos principalmente nas abelhas, que oferecem serviços ecossistêmicos importantes ao polinizarem as plantas em nossas hortas e outras culturas, esses animais são essenciais para a segurança alimentar da humanidade. Devemos lembrar sempre quão importantes são para nós esses simpáticos animais!

Veja:

Monteiro, B. L., Camargo, M. G. G., Loiola, P. D. P., et al. 2021. Pollination in the campo rupestre: a test of hypothesis for an ancient tropical mountain vegetation. Biological Journal of the Linnean Society, 133: 512-530.
DOI: https://doi.org/10.1093/biolinnean/blaa205.

Por:

As comunidades biológicas são organizadas por interações entre os vários organismos que as compõem e o meio ambiente. Essas interações podem ser positivas (mutualistas), onde todos os organismos são beneficiados, como a polinização e dispersão. Outro tipo de interações são as negativas (antagonistas) as quais geram custos para pelo menos um dos organismos envolvidos, como a competição e a predação. No mundo real as espécies interagem simultaneamente com mutualistas e antagonistas, sendo influenciadas direta ou indiretamente pelos mesmos. O resultado desse conjunto de interações pode afetar o crescimento, a sobrevivência e a reprodução dos organismos envolvidos, bem como a organização das comunidades no tempo e no espaço.

Um exemplo clássico desses sistemas é aquele formado por uma planta hospedeira, seus insetos herbívoros sugadores de seiva e espécies de formigas protetoras dos insetos herbívoros. Nesses sistemas ocorrem interações mutualísticas entre os herbívoros sugadores e as formigas. Os insetos herbívoros excretam um líquido que serve de alimento para essas formigas e em troca recebem proteção contra seus inimigos naturais. Essa interação entre hemípteros sugadores e formigas é conhecida como trofobiose (termo grego que faz referência à simbiose nutritiva). Essa interação pode resultar indiretamente em custos e/ou benefícios para a planta hospedeira. Os resultados dependem dos efeitos diretos da herbivoria por esses sugadores e dos efeitos indiretos mediados pela presença das formigas nas plantas. 

 Insetos trofobiontes e formigas Camponotus rufipes associados a erva de passarinho em uma área de campo rupestre da Serra do Cipó.

Os insetos herbívoros sugadores interagem de forma direta e antagônica ao consumir a seiva das plantas acarretando na drenagem de recursos e nutrientes. Os efeitos indiretos são mediados pelas formigas que são atraídas pelos insetos sugadores. Essas formigas, por apresentarem comportamento agressivo, podem predar ou espantar outros insetos herbívoros, e por serem algumas vezes muito agressivas, podem até mesmo perseguir e repelir potenciais visitantes florais e polinizadores, comprometendo a reprodução da planta. Dessa forma, a presença de mutualismos formiga-trofobionte pode gerar conflitos para a planta hospedeira com consequências que irão depender do balanço entre os custos e benefícios das interações diretas e indiretas entre os organismos presentes no sistema.

Um estudo inédito realizado no campo rupestre da Serra do Cipó mostrou como as interações entre os insetos herbívoros sugadores e as formigas influenciam na reprodução de uma erva de passarinho conhecida como Psittacanthus robustus. O estudo avaliou os efeitos indiretos da presença de formigas na visitação pelos polinizadores da planta, os beija-flores. Em um dos experimentos, foram avaliados também os efeitos da densidade de insetos herbívoros sugadores no tamanho dos frutos e sementes produzidos, na germinação de sementes e no estabelecimento das plantas jovens. 

 Formigas protegendo herbívoros trofobiontes associados a Psittacanthus. Foto: T Guerra.

Os resultados mostraram que a erva-de-passarinho é afetada principalmente pelas interações diretas com seus insetos herbívoros sugadores, enquanto a presença de formigas nas inflorescências não afetou a visitação pelos polinizadores. No entanto, o aumento da densidade de insetos herbívoros sugadores resultou na produção de sementes menores. Isso provavelmente se deve ao grande consumo de seiva pelos herbívoros o que provoca uma limitação de recursos e nutrientes destinados para a produção de frutos e sementes pela planta. Embora o aumento na quantidade de insetos sugadores possa reduzir o tamanho médio das sementes, a germinação das sementes e o estabelecimento das plantas jovens não foram afetadas. Provavelmente essas ervas de passarinho apresentam uma certa tolerância ao ataque intenso por insetos sugadores, pois mesmo sofrendo com os custos do ataque na produção de suas sementes, sementes menores ainda sim podem germinar e se estabelecer.

Esses estudos contribuem para avanços no conhecimento de como as interações entre animais e plantas ocorrem no campo rupestre e como cada uma dessas espécies estão ligadas umas às outras. Além disso, ajudam no entendimento da reprodução das ervas de passarinho, as quais são amplamente distribuídas pelos ecossistemas terrestres e fornecem recursos nutricionais e estruturais fundamentais para diversos animais. 

Veja:

Ferreira, V. C. M., Neves, F. S., Guerra, T. J. 2022. Direct and indirect effects of ant – trophobiont interactions on the reproduction of a hummingbird-pollinated mistletoe. Plant Ecology, 223:285-296.
DOI: https://doi.org/10.1007/s11258-021-01206-5

Por:

Em um artigo recém publicado, construímos um banco de dados sobre artrópodes (insetos e outras espécies como aranhas) construtores de abrigos e as plantas hospedeiras onde são encontrados. Esses organismos são chamados de “engenheiros de ecossistemas” e os abrigos que eles constroem influenciam no número e nas espécies de organismos que podem habitar uma determinada planta. Além disso, são capazes de interferir nas interações entre as espécies que ocupam essas plantas, e até mesmo na velocidade de decomposição da matéria orgânica que cai no solo. Dentro dessa ideia de organismos engenheiros, aprofundamos o conhecimento sobre quais são os engenheiros encontrados na natureza, suas plantas hospedeiras, os tipos de abrigos que eles constroem e os insetos que se abrigam dentro dessas estruturas. 

Compilamos mais de 1.000 registros que foram encontrados em artigos científicos escritos desde 1932, realizados em mais de 50 países do mundo e em vários ecossistemas naturais, desde zonas polares a tropicais. O estudo inédito mostra os abrigos construídos por diversos animais, como aranhas, besouros, lagartas, moscas, vespas e até vermes microscópicos.  Esses organismos constroem uma variedade de estruturas nas suas plantas hospedeiras, como cabanas, barracas e rolos foliares, tumores em folhas e caule, e galerias em troncos. Além de dados sobre as plantas hospedeiras, construtores e tipos de abrigos, descrevemos também quais eram os insetos que utilizam esses abrigos e o que eles fazem neles, ou seja, se eles os utilizam para se esconder de condições climáticas desfavoráveis, para se reproduzir, ou até mesmo pra caçar presas dentro ou fazer emboscadas para suas presas. 

Tumor foliar (galha), com estrutura semelhante à uma ervilha, utilizada frequentemente por ocupantes secundários como a formiga Cephalotes pusillus ou a aranha Parawixia sp.

Esse levantamento global listou um estudo no Brasil, especificamente da Serra do Cipó, em que Milton Barbosa e colaboradores descreveram em 2019 uma espécie de cigarrinha que induz uma galha (tumor) nas folhas da sua planta hospedeira, o alecrim-do-campo, formando uma estrutura semelhante à uma ervilha. Dentro desses tumores, as larvas das cigarrinhas se desenvolvem, se alimentando de nutrientes desviados de outros tecidos do alecrim-do-campo. Após o desenvolvimento das larvas, as galhas persistem nas plantas, servindo de abrigo para outros artrópodes, os chamados ocupantes secundários, como formigas e aranhas (Figura 1).

 Nosso conjunto de dados mostra esse e diversos outros exemplos de interações fantásticas e destaca a importância dessas pequenas estruturas para as espécies que os utilizam, servindo de abrigo, local para reprodução e desenvolvimento, e também como importantes refúgios para espécies sensíveis à aridez, altas temperaturas e variabilidade climática. Proteger nossos ambientes naturais é de suma importância para a permanência dessas espécies e para a manutenção dessas fantásticas interações entre insetos e plantas.

Veja: 

Pereira, C. C., Novais, S., Barbosa, M., et al. 2022. Arthropod constructs and their host plants. Bulletin of the Ecological Society of America, 103: e01971. DOI: https://doi.org/10.1002/bes2.1971 

Pereira, C. C., Novais, S., Barbosa, M., et al. 2022. Subtle structures with not-so-subtle functions: a dataset of arthropod constructs and their host plants. Ecology, 103: e3639. https://doi.org/10.1002/ecy.3639 

Por:

Pesquisador da Universidade Nacional de Córdoba, na região central da Argentina. Investiga os efeitos de distúrbios humanos em larga escala, como a perda de florestas, invasões biológicas e incêndios florestais, nas interações entre as plantas e os animais ao longo de seu ciclo de vida. Esses fatores causados pelo homem podem modificar a dinâmica reprodutiva, o crescimento populacional, a diversidade genética e as características biológicas das vegetações. Esses tipos de estudos geram conhecimentos básicos e aplicados em ecologia e gestão de recursos naturais. Ramiro também tem experiência no estabelecimento de generalizações em várias áreas da ecologia através de revisões sistemáticas de dados.

Editorial Warming (EW): Conta um pouco sobre você 

RR: Sou de Córdoba, Argentina e trabalho como pesquisador científico no Instituto Multidisciplinar de Biologia Vegetal da Universidade Nacional de Córdoba. Atualmente sou professor visitante estrangeiro no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Estou aqui com minha parceira e também bióloga pesquisadora, Lorena Ashworth. Estou muito feliz por estar aqui e poder compartilhar pesquisas com colegas e amigos da UFMG, que conheço pessoalmente e de seus trabalhos.

Mapa da Argentina com a região de Córdoba destacada em vermelho.

EW: Porque você decidiu ser cientista?

RR: Sempre tive curiosidade sobre o ambiente natural, gostava especialmente de observar o céu noturno. Eu era fascinado pelas estrelas e planetas e é por isso que meus pais me deram um telescópio quando eu tinha uns 12 anos. Como muitos da minha geração, tive uma influência muito forte com a ciência popular de Carl Sagan e sua série Cosmos. Li vários livros dele quando era jovem e acho que a partir desses momentos me apaixonei pela ciência. Entendi a ciência como o mecanismo mais objetivo para compreender a natureza que nos cerca.

EW: Porque escolheu estudar biologia (numa perspectiva geral)? 

RR: Eu tinha certeza de que iria estudar alguma disciplina científica, inicialmente astronomia. Porém, aos 17 anos, fiz um intercâmbio de um ano para o Canadá, onde fiz meu último ano do ensino médio. Lá tive um grande professor de biologia, o Sr. Dorland, que me contagiou com sua paixão pela biologia com suas aulas maravilhosas me mostrando os diferentes níveis de complexidade da vida. Essa diversidade de possibilidades de pesquisa, de moléculas a ecossistemas, me convenceu de que minha especialização seria biologia. Então, durante meu primeiro ano de Biologia, tive outro grande professor, Gabriel Bernardello, que me deixou apaixonado por plantas e interações planta-polinizador. Em suma, minhas decisões de carreira foram inspiradas por pessoas apaixonadas pelo seu trabalho.

EW: O que você faz hoje em dia? explica um pouco sobre sua linha de pesquisa 

RR: Estudo como as mudanças no uso do solo e outras perturbações antrópicas, como incêndios e invasões biológicas, afetam os processos reprodutivos, demográficos e genéticos das plantas. As plantas são organismos sésseis e, em sua maioria, precisam de animais para se reproduzir e se dispersar. Eu avalio como distúrbios humanos em larga escala afetam essas interações mutualísticas com polinizadores e dispersores. Estou interessado em entender como as mudanças na abundância e no comportamento de animais mutualistas afetam os padrões de acasalamento e dispersão de sementes, o que pode ter consequências no recrutamento e nas características genéticas de futuras gerações de plantas nesses ambientes perturbados.

EW: Como você enxerga o futuro dessa área que você trabalha?

RR: Atualmente conhecemos muito bem os padrões de resposta das plantas a diferentes distúrbios, especialmente como as mudanças no uso da terra afetam as interações mutualísticas de polinização e dispersão e quais são seus efeitos no recrutamento e viabilidade das populações de plantas. Os resultados nos mostram um cenário preocupante para as plantas: os padrões de acasalamento tendem a ser mais endogâmicos (entre indivíduos geneticamente semelhantes) e menos quantidade e qualidade da prole são produzidas em ambientes perturbados, o que compromete seriamente sua viabilidade a longo prazo.

Acredito que os esforços futuros de pesquisa devem ser direcionados para medir como restabelecer essas interações nessas paisagens fragmentadas e perturbadas pelo homem para evitar as extinções locais de plantas que estamos observando atualmente.

Sem tentar trazer os sistemas naturais de volta ao seu ponto de origem, antes das perturbações antrópicas, devemos entender que tipos de paisagens antrópicas são aquelas que permitem que essas interações sejam mantidas para garantir a viabilidade das populações de plantas em longo prazo. Para isso, precisamos combinar a ecologia de interação e paisagem com a ecologia genética para medir a conectividade e o fluxo gênico entre populações fragmentadas.

Outro aspecto importante será entender os mecanismos de adaptação de plantas e animais nessas paisagens antrópicas. Ou seja, investigar as bases genéticas de características ecológicas importantes para entender seu potencial adaptativo ou se a seleção está ocorrendo em tempos ecológicos ligados a esses distúrbios antrópicos.

Saiba mais sobre as pesquisas do Ramiro em: https://ramiroaguilar.weebly.com

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A Serra do Cipó, essa região que traz histórias, mistérios e personagens, encanta por ser tantos lugares em um só. Água que torce o rio, cipó que enrola galho, planta que é sempre-viva e animais que usam gravata. Mil vidas habitam cada uma desses locais. Bicho de escama, pelo e de pena, sendo essa obra dedicada a esses últimos. 

O livro Aves da Serra do Cipó, lançado em janeiro de 2022, é um compilado de informações e fotografias sobre as aves que habitam a Serra do Cipó, mas que aborda também aspectos sociais e ecológicos dessa rica região. A obra foi liderada por Luiza Kot, fotógrafa da natureza e designer, juntamente com Fernando Figueiredo Goulart, Marcelo Ferreira de Vasconcelos, Eduardo Franco e Marcos Rodrigues, e envolveu contribuições dos principais especialistas em aves (ornitólogos) que trabalharam na região. 

O livro traz uma síntese pioneira sobre os achados ornitológicos na região, reunindo mais de vinte anos de pesquisas realizadas pelo grupo de autores no Parque Nacional da Serra do Cipó e adjacências. O livro foi viabilizado através de uma campanha de financiamento coletivo, incluindo mais de 220 apoiadores individuais e colaborações institucionais.

O livro foi escrito em português e inglês, sendo dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, Ser-tão Cipó, a Serra e sua importância histórica, cultural e ecológica é introduzida. Dos registros arqueológicos do Grande Abrigo de Santana passando pela Estrada Real, importante rota no período colonial, até a riqueza cultural atual, a Serra do Cipó é única na sua história, assim como na sua biodiversidade. O segundo capítulo chamado Aves das Serras do Cipó apresenta um compilado de diversos registros notórios de aves na região e uma síntese geral das pesquisas realizadas sobre aves na Serra do Cipó. Dentre os achados, se destaca a descrição de uma nova espécie chamada Pedreiro-do-Espinhaço (Cinclodes espinhacensis), um pássaro da família do João-de-Barro (Furnaridae) que habita as áreas brejosas da região. A distribuição geográfica desta espécie é extremamente restrita, o que aumenta a preocupação sobre seu futuro, uma vez que quanto menor a distribuição geográfica, maior a chance de extinção. 

 Pedreiro-do-espinhaço (Cinclodes espinhacensis). Foto: Luiza Kot.

O terceiro capítulo, Guia das Aves, compila informações ecológicas, biogeográficas, morfológicas e de conservação de 142 espécies que ocorrem na região.  A compilação inclui aves típicas de Cerrado como o beija-flor-chifre-de-ouro (Heliactin bilophus) que habita diferentes tipos de ambientes no bioma, outras endêmicas da Mata Atlântica, como os Tangarás (Chiroxiphia caudata) que realizam suas danças acrobáticas para impressionar as fêmeas. Há também aquelas que habitam os campos rupestres como o beija-flor-de-gravata (Augastes scutatus), o Rabo-mole-da-serra (Embernagra longicauda) e o papa-moscas-de-costas-cinzentas (Polystictus superciliares). Também foram incluídas espécies de distribuição ampla como o Sabiá-do-campo (Mimus saturninus) e o Tico-tico (Zonotrichia capensis). 

O lançamento foi realizado Parque Nacional da Serra do Cipó e para acompanhar, o Estúdio Jandaia: Histórias Tropicais, elaborou o vídeo “Aves da Serra do Cipó” que faz uma homenagem aos brigadistas que protegem a avifauna e outros seres vivos dos incêndios desastrosos, a maior causa de perda de biodiversidade da região e certamente a maior ameaça às aves.

O livro e outros produtos podem ser adquiridos no site do projeto. Voe com a gente para conhecer mais sobre essa história tropical!

Veja:

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O fogo tem um papel fundamental na estruturação e na dinâmica das comunidades de ecossistemas savânicos e campestres. Com o objetivo de melhorar o conhecimentos sobre o efeito do fogo da biodiversidade em ambientes savânicos do hemisfério Sul e auxiliar os tomadores de decisão sobre as estratégias adequadas de manejo do fogo, pesquisadores do Peld Campos Rupestres da Serra do Cipó e da Universidade da Namíbia (coordenado pelo prof. Ezequiel Fabiano) se uniram para entender o papel do fogo na biodiversidade das savanas do Brasil e da Namíbia.  As duas redes de pesquisas ecológicas em longa duração conseguiram a aprovação do projeto “Cascading Long Term Effects of Fire on Savanna Biodiversity in the Southern Hemisphere, Brazil and Namibia” através do programa Bio-Bridge Initiative (BBI) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), que visa facilitar a cooperação técnica e científica entre as Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e seus Protocolos, nos termos do Artigo 18.

As coletas em ambos os países seguem protocolos similares para avaliar as respostas da vegetação, solo e insetos aos diferentes regimes de fogo, realizar comparações de ferramentas para monitorar as flutuações climáticas e desenvolver políticas e diretrizes sobre o manejo do fogo. A rede também pretende desenvolver um projeto mais amplo, a partir deste estudo, viabilizar maior formação e capacitação de recursos humanos em experimentos de fogo em  Makambu na Namíbia, inserir novas técnicas de amostragem, tecnologias e habilidades analíticas. O alcance destes objetivos será de suma importância no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de incêndios em todo o mundo, que ainda hoje carece de uma base científica robusta e de pessoal adequadamente treinado.

Atividades de pesquisa sobre o impacto do fogo no campo rupestre.

Como parte do intercâmbio de cooperação, o Prof. Ezequiel Fabiano em visita ao site de pesquisas, participou de um curso de campo sobre Ecologia do Cerrado para alunos de pós-graduação do Programa de Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre da UFMG e participou das atividades de pesquisa com a equipe brasileira sobre o impacto do fogo no campo rupestre e matas nebulares na Serra do Cipó. Em julho, será a vez dos professores Geraldo Wilson Fernandes e José Eugênio Figueira visitarem os sítios de pesquisa na Namíbia para dar prosseguimento às atividades científicas. Durante a visita ao Brasil, a equipe se reuniu com o embaixador da Namíbia, Sr. Mbapeua Muvangua, para apresentar o projeto de pesquisas entre os dois países. Foram ainda pautas da conversa a construção de estratégias e alternativas para o fortalecimento da parceria na agricultura sustentável e na bioeconomia, desenvolvimento de programas de Cotutela e capacitação  humana com intercâmbio de professores e alunos. A Universidade de Namíbia, por meio dos respectivos escritórios, envolverá a Embaixada da Namíbia para fortalecer as relações bilaterais entre os países.

O fogo tem um papel fundamental na estruturação e na dinâmica das comunidades de ecossistemas savânicos e campestres. Com o objetivo de melhorar o conhecimentos sobre o efeito do fogo da biodiversidade em ambientes savânicos do hemisfério Sul e auxiliar os tomadores de decisão sobre as estratégias adequadas de manejo do fogo, pesquisadores do PELD Campos Rupestres da Serra do Cipó e da Universidade da Namíbia (coordenado pelo prof. Ezequiel Fabiano) se uniram para entender o papel do fogo na biodiversidade das savanas do Brasil e da Namíbia.  As duas redes de pesquisas ecológicas em longa duração conseguiram a aprovação do projeto “Cascading Long Term Effects of Fire on Savanna Biodiversity in the Southern Hemisphere, Brazil and Namibia” através do programa Bio-Bridge Initiative (BBI) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), que visa facilitar a cooperação técnica e científica entre as Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e seus Protocolos, nos termos do Artigo 18.

As coletas em ambos os países seguem protocolos similares para avaliar as respostas da vegetação, solo e insetos aos diferentes regimes de fogo, realizar comparações de ferramentas para monitorar as flutuações climáticas e desenvolver políticas e diretrizes sobre o manejo do fogo. A rede também pretende desenvolver um projeto mais amplo, a partir deste estudo, viabilizar maior formação e capacitação de recursos humanos em experimentos de fogo em  Makambu na Namíbia, inserir novas técnicas de amostragem, tecnologias e habilidades analíticas. O alcance destes objetivos será de suma importância no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de incêndios em todo o mundo, que ainda hoje carece de uma base científica robusta e de pessoal adequadamente treinado.

Equipe do PELD-CRSC e Universidade da Namíbia em visita à Serra do Cipó

Como parte do intercâmbio de cooperação, o Prof. Ezequiel Fabiano em visita ao site de pesquisas, participou de um curso de campo sobre Ecologia do Cerrado para alunos de pós-graduação do Programa de Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre da UFMG e participou das atividades de pesquisa com a equipe brasileira sobre o impacto do fogo no campo rupestre e matas nebulares na Serra do Cipó. Em julho, será a vez dos professores Geraldo Wilson Fernandes e José Eugênio Figueira visitarem os sítios de pesquisa na Namíbia para dar prosseguimento às atividades científicas. Durante a visita ao Brasil, a equipe se reuniu com o embaixador da Namíbia, Sr. Mbapeua Muvangua, para apresentar o projeto de pesquisas entre os dois países. Foram ainda pautas da conversa a construção de estratégias e alternativas para o fortalecimento da parceria na agricultura sustentável e na bioeconomia, desenvolvimento de programas de Cotutela e capacitação  humana com intercâmbio de professores e alunos. A Universidade de Namíbia, por meio dos respectivos escritórios, envolverá a Embaixada da Namíbia para fortalecer as relações bilaterais entre os países.

Por:

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